Reclamar de tédio é fácil, difícil é levantar da cadeira para fazer alguma coisa que nunca se fez. Pois dia desses aceitei um desafio: fiz uma aula de dança de salão, roxa de vergonha por ter que enfrentar um professor, um espelho enorme, outros alunos e meu total despreparo.
Mas a graça da coisa é esta: reconhecer-se virgem. Com soberba não se aprende nada.
Entrei na academia rígida feito um membro da guarda real e sai de lá praticamente uma mulata globeleza.
Exageros à parte, a dança sempre me despertou fascínio, tanto que me fez assistir ao filme que está em cartaz com Antonio Banderas, Vem dançar, em que ele interpreta um professor de dança de salão que tenta resgatar a auto-estima de uma turma de alunos rebeldes.
Qualquer semelhança com uma dúzia de outros filmes do gênero, inspirados no clássico Ao Mestre com carinho, não é coincidência, é beber da fonte assumidamente.
Excetuando-se os vários momentos-clichê da trama, o filme tem o mérito de esclarecer qual é a função didática, digamos assim, da dança. Na verdade, o simples prazer de dançar bastaria para justificar a prática, mas vivemos num mundo onde todos se perguntam o tempo todo “para que serve?”
Para que serve um beijo, para que serve ler, para que serve um pôr-do-sol? É a síndrome da utilidade. Pois bem, dançar tem, sim, uma serventia. Nos ensina a ter confiança, se é que alguém lembra o que é isso.
Hoje ninguém confia, é verbo em desuso. Você não confia em desconhecidos, e também em muitos dos seus conhecidos. Não confia que irão lhe ajudar, não confia que irão chegar na hora marcada, não confia os seus segredos e não confia seu dinheiro.
Dormindo com um olho aberto e outro fechado, sempre alertas feito escoteiros. O lobo pode estar ao seu lado, vestindo a tal pele de cordeiro.
Então, de repente, o que alguém pede a você? Que diga sim. Que escute atentamente a música. Que apóie seus braços em outro corpo. Que se deixe conduzir. Que não tenha vergonha. Que libere seus movimentos. Que se entregue.
Qualquer um pode dançar sozinho. Aliás, deve. Meia hora por dia quando ninguém estiver olhando, ocupe a sala, aumente o som e esqueça os vizinhos.
Mas dançar com outra pessoa, formando um par, é um ritual que exige uma espécie diferente de sintonia. Olhos nos olhos, acerto de ritmo. Hora de confiar no que o parceiro está propondo.
Confiar que será possível acompanhá-lo, confiar que não está sendo ridículo, nem submisso, esta se criando uma forma diferente e mágica de convivência.
Ouvi uma coisa linda ao sair do cinema: se os casais, hoje, dedicassem um tempinho para dançar juntos, mesmo em casa – principalmente em casa - muitas discussões seriam poupadas.
É uma espécie de conexão silenciosa, de pacto, um outro jeito de fazer amor.
Dançar é tão bom que nem precisava servir pra nada.
Mas serve.
Crônica de Martha Medeiros do livro: Doidas e Santas
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De vez em quando eu e meu marido dançamos escondidinhos no quarto músicas lentas do tempo da discoteca!
ResponderExcluirUm delícia!!!!!!!